terça-feira, 13 de dezembro de 2016



Aquela  carta

Uma chegada inesperada, não por ausência de planos, mas pelo teor inédito daquele evento. Fora a primeira vez em que recebera um envelope tão polidamente lacrado e envolto em um mistério que me comovera e ainda me comove, até este exato momento.
Eram várias, fidedignamente iguais, pelo menos era o que a aparência dizia – mas na realidade... NÃO. Introspectivamente, eram correspondências distintas, para pessoas também distintas. Cartas para diversas pessoas – o que me despertava anseios, numa expectativa latente, de recompensa, imersa que eu estava, em outros desejos e queria que alguém chegasse e compartilhasse comigo aquele momento tão peculiar. Contudo, não apareceu, embora eu o tenha esperado até o último instante.

   Apesar da curiosidade, a carta parecia coadjuvante, para mim, pois aos outros era como se fosse o clímax – e foi, embora nem todos tenham saído de lá realmente satisfeitos.
          Brincamos, rimos, brigamos, tudo em estado muito civilizatório – aquele não parecia e, nem era mesmo, um desses tantos momentos burocráticos da vida. Todos haviam escolhido a sua carta e o que ela representava. Eu trocaria a minha (esperada) carta por uma chegada, um vento que soprasse, naquela pequena sala (pequena, não porque realmente o fosse, mas porque os livros, todos eles comestíveis, ocupavam um espaço que os pertencia por direito).
        Eu não estava em mim  ou talvez eu fosse aquilo mesmo: uma pessoa fria e inerte; todavia, ainda acho que não era eu. Pensemos em uma cronologia causal para isso? A minha cota de surpresas, para aquele dia, já parecia findada. De repente, percebo que ainda poderia receber muitas outras coisas e minhas pernas falhavam, ao lembrar daquele envelope, do que estaria por vir.
     Quando o abri, pude constatar o que ali havia: letras, mensagem, tudo cuidadosamente pensado, mas não era para mim, era para nós...
      Entretanto, o NÓS não pode existir em um mundo impermeável, em demasia, onde o mais indescritível é romper os preliminares de uma narrativa e logo chegar ao desfecho.



sábado, 3 de dezembro de 2016


EU TE FALEI



Desde que o mundo é mundo,
eu te falei dos planos,
dos sonhos,
do caos,
do gás que acabou...

Desde que o mundo é mundo,
e o arroz queimando,
o pão dormido
e a vela a acender...

Desde que o mundo é mundo, 
o sino bateu,
a missa acabou
e as nuvens carregaram de vez!

Desde que o mundo é mundo...
Ah!... O café esfriou, o beijo gelou
e o abraço... es-ma-e-ceu!

Desde que o mundo é mundo,
sendo bem mais mundo:
o ônus, o bônus
o bonde, a fome
o ânus, os anos
a sede, a fobia
o leite e a cria... em a-po-geu!

... A tragédia, a comédia,
a paz e o mais sagaz...
Desde que o mundo é mundo,

venho contando os segundos para ser o alento que abarca no cais.



sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

        Brígida


        Eu era pequena e serelepe. Minhas mãos, igualmente pequenas e pouco buliçosas. Eficientes, contudo, para destruir a Brígida.
Boneca de porcelana, com cabelo de verdade, olhos de mentira, ruiva, com maçãs no rosto, boquinha de lábios encarnados... sapatinho de veludo preto e... com aquelas faixas de boneca de modos na altura dos pés.
A roupa? Musseline azul de anjo, com rendinhas nas extremidades e uns detalhes de cetim em fita. Por baixo de toda aquela indumentária, Brígida era uma reles almofada de algodão áspero e assim foi fácil destruí-la.
Um dia, olhei para ela e senti um frenesi de brincar com sua fragilidade, que eu desconhecia, por sinal!
Mas quão pequenas eram minhas mãos e era pesada, a Brígida!... com aquele corpo de algodão e somente a cabeça, os pés e as mãos moldados na palidez da porcelana.
Depois daquele rápido descuido, lá estava ela: uma mula sem cabeça de membros amputados. Uma tragédia! O que dizer para a mamãe mediante o cenário do crime?...
Não, não se assemelhava mais àquela doce e delicada boneca de outrora!
Era apenas uma almofadinha vestida a rigor.
Não pude juntar os caquinhos... essa é uma tarefa dos adultos corrompidos.
Brígida não mais existia. Brígida era frágil... a bonequinha: herança da mamãe.



Analogias



Com o tempo vamos percebendo certas similitudes entre as coisas: há um quê de equiparação entre os sabores, os aromas, as dores, as cicatrizes, os prestígios, os desamores, os odores, as fragrâncias...


 E, então, o chiclete do colegial se parece com o marshmallow do hotel, o café da vovó com o do vizinho solitário, a fama da atriz com a do jogador, o olhar do primeiro amor com aquele que precede o “Sim!... e viveram felizes para sempre”; o chulé do irmão mais velho com o lixo que há dias deixaram de recolher; o perfume sinestésico daquele amor que exala, por vezes, em meio à multidão e, por ela ser multidão, não sabemos a direção exata de sua origem. Em tudo isso e em muito mais estão condensados nossos mistérios. NOSSOS! Partilhamos com os outros nossas mais infinitas e secretas vias de sentido mesmo que sejamos timidamente NOSSOS!




terça-feira, 12 de abril de 2016

Constantemente inquieta... 
Pensar "cá, com meus botões" é uma das tarefas que mais pratico.
As palavras, longe de qualquer padrão sintático, caminham velozMENTE e sentia falta de uma tábua para meus rabiscos tão rupestres...

Creio que encontrei!